Pérolas que não atravessaram o oceano 12: Hamelin no Violin Hiki

Os japoneses são mestres em pegarem uma obra ocidental, e contorcerem ela até que saia um produto completamente diferente do original, mas que matenha lá alguma semelhança. Muitas obras ocidentais já foram recontadas de uma maneira fantasiosa e cheia de ação, como é o caso da lenda do rei Arthur, As mil e uma noites, entre tantas outras. Hamelin no Violin Hiki, em inglês The Violinist of Hamlin, é uma brincadeira com o título de uma obra alemã, chamada O FLAUTISTA de Hamelin. Na qual um flautista salva uma vila de uma infestação de ratos tocando sua flauta e encantando os bichinhos e fazendo-os se afogarem em um rio.
Mas o que diabos isso tem a ver com esse jogo para SNES lançado em 1995? Bom…para descobrir isso, continue lendo esse post, onde mergulharemos no estranho mundo do Violinista de Hamlin.

Talvez muita gente não se lembre, ou não tenha percebido mesmo, mas os 8 e 16 bits foram uma época bem peculiar para algumas empresas. Por exemplo, as que hoje formam a toda poderosa SquareEnix, Square e Enix. A Square antes de ser a rainha dos RPGs japoneses na era 16sbits, apostou em muitos estilos diferentes, na era 8bits principalmente, com jogos de corrida como Rad Racer, e até mesmo clones de Space Harrier como The 3-D Battles of World Runner. Mas após se firmar como uma produtora de JRPGs, a Square passou a era 16bits focada 99% no famoso (e bem vendido) gênero.
Já sua rival da época, a Enix, que já era consagrada pela série de JRPGs mais famosa do Japão, Dragon Quest, investiu em muitos estilos diferentes na era 16bits. Entre eles, temos os dois Actraiser, Wonder Project J, E.V.O.: Search for Eden…e Hamelin no Violin Hiki.

Um conto Europeu para garotos japoneses dos anos 90

Criado por Michiaki Watanabe, e publicado no mangá GanGan Comics, que aliás, era um mangá lançado justamente pela própria Enix, em 1991; Hamelin no Violin Hiki contou com 37 volumes, sendo publicado ao longo de 10 anos (!)
Na história sem pé nem cabeça, somos apresentados a Hamel, um protagonista que se distancia e muito do padrão herói de mangás japoneses. O garoto é completamente depravado e ganancioso, a um ponto que chega a incomodar em algumas ocasiões, por mais cômica que seja as situações que o mangá tenta demonstrar.
Para se ter uma idéia, logo no começo do mangá, Hamel chega a uma vila, ameaçada por um monstro; e em troca de salvar os aldeões do lugar, pede que todas as mulheres da vila sejam suas e façam parte de um harem particular só dele, e em devido momento bota até mesmo o sábio, líder da vila para dançar pelado sobre uma mesa, sob a ameaça de não ajudar as pessoas do vilarejo se não aceitarem suas condições.

Tudo isso, porque o garoto tem o dom de conseguir tocar melodias mágicas (geralmente, adaptações de composições clássicas) que são capazes de derrotar as criaturas sem que ele sequer precise lutar contra elas. Após enfim aceitar salvar a vila, Hamel faz uma última exigência ao líder da vila, ele levaria Flute, neta do velho, como pagamento por ter salvado o local. Após esse “trato”, Hamel parte levando a garota (a qual ele até mesmo tenta vender como uma espécie de escrava sexual para um camponês aleatório) e ambos entram em diversas aventuras. Obviamente, o clima da série é de comédia pura, misturando situações vergonhosas e ridiculas, com o típico humor pastelão japonês. A série também teve uma adaptação para anime, mas nesta, o tom é completamente sério, sem nenhuma piada, o que a diferencia COMPLETAMENTE da pegada da trama original. Nela, é revelado logo de cara um dos “plot twists” da série, Hamel, na verdade é um meio demônio (o que creio que deve justificar suas ações nada…bondosas), e está em uma jornada para derrotar o senhor dos demônios…seu próprio pai.

Um mundo de fantasias (literalmente)

E enfim chegamos ao jogo. Obviamente a Enix não perderia a oportunidade de adaptar uma das séries de sua publicação impressa, em forma de jogo, tendo em vista que para ter a duração que teve, Violinist of Hamlin tinha lá sua popularidade.
Lançado em 1995, o que técnicamente já marcava o início do final da vida do SNES, exclusivamente no mercado japonês, Hamelin no Violin Hiki é um daqueles jogos de plataforma com puzzles, abusando de certas “gimmicks” únicas a ele.
Hoje em dia, é bem comum vermos que praticamente todo jogo lançado, tem “elementos de RPG”, seja criar armas, ou distribuir pontos para aumentar status, etc. Na década de 90, muitas empresas tentavam sair um pouco fora do gênero padrão da época, os de plataforma, adicionando coisas a mais para deixar esses jogos únicos (famosos gimmicks), e adicionando elementos de puzzle, para fazer com o que o jogo tivesse uma duração a mais e fosse mais dinâmico e menos repetitivo.

Tendo isso em mente, fique ciente de que Hamelin no Violin Hiki apesar de parecer pelas imagens, não é um jogo de plataforma “direto ao ponto”. Aqui, existem várias mecânicas que o jogador precisa aprender, para conseguir se dar bem no jogo.
A principal dessas mecânicas, é a de fantasias. Lembram da garotinha Flute (aquela mesma, menor de idade, que Hamel tentou vender como escrava) que citei na descrição do mangá? Pois bem, o jogo aproveita de uma das taras idéias malucas que Hamel tem em VÁRIOS momentos do mangá, que é a de fantasiar os membros de seu grupo (principalmente Flute), com fantasias bizarras para tentar se livrarem de alguma situação.
No jogo, Flute pode usar uma série de fantasias, que servem como elemento principal na solução de alguns puzzles simples, e obstáculos que existem ao longo do jogo.

Várias são essas fantasias, que são acessadas a partir de um menu próprio. Entre elas, existem a de avestruz, que permite a Hamel montar sobre Flute para cruzar caminhos cheios de espinhos. A de sapo, que faz com que Hamel possa alcançar lugares altos e inacessíveis normalmente. A de robô, utilizada para quebrar paredes que bloqueiam certas passagens, a de disco (ou seja lá como se chama aquilo) de Curling, usada para acessar lugares estreitos e acertar botões que abrem portas, etc…
As fantasias são de fato o foco principal do jogo. Sendo que as necessárias para o avanço do jogo geralmente estão em lugares mais fáceis de serem encontradas (embora não exatamente largadas no caminho do personagem), e outras, que são mais para facilitarem a aventura, estão escondidas em cantos secretos das fases, ou são vendidas nas lojinhas das cidades.
Sim, existem cidades no jogo. Cada “mundo” se inicia em uma cidade, onde Hamel pode comprar, além de alguns itens de cura, para aumentar a defesa, também, algumas fantasias especiais, geralmente vendidas a um preço salgado.
Nessas cidades/vilas também, é onde o jogador é informado da historinha daquela parte do jogo, geralmente sempre envolvendo algum monstro que está causando confusão na vila e deve ser derrotado por Hamel; essas histórias seguem trechos do mangá, porém, são contadas de forma bem simples e direta, e também, não seguem uma ordem exata, pulanda várias e várias partes do mangá.

Logo de cara, o jogo salta aos olhos. Os gráficos são lindos, muito bem coloridos (aproveitando a fantástica paleta de cores do SNES), os modelos dos personagens, apesar de caricatos, são muito bem desenhados e animados, os chefes, gigantes, também são um show a parte. Infelizmente, faltou usarem um pouco os efeitos únicos do SNES, como mode 7, ou até mesmo utilizarem um pouco de parallax para darem mais vida aos lindos cenários de fundo do jogo. Mas na sua trilha sonora, o jogo tira um belo 10. Abusando do poder do chip de audio do SNES, que era excelente para gerar músicas mais orquestradas e eruditas, o jogo abusa de composições clássicas renomadas de compositores como Beethoven, Schumann, Tchaikovsky, Schubert, Mozart entre outros. E também de composições próprias, sempre mantendo o ritmo de música clássica, o que da um charme e uma identidade única ao jogo.

A maneira correta de se referir a Hamel, seria provavelmente “protagonista”. Já que chama-lo de herói da história seria um erro. Tendo em vista a desumanidade do personagem.
O personagem controlado pelo jogador, pode atacar tanto lançando notas musicais de seu violino mágico…quanto lançando a própria garotinha Flute!
Ao ser arremessada contra inimigos, a garota dá dano a eles. Além de poder ser usada como escada para alcançar lugares altos também. Porém todo esse abuso contra a garotinha espero que a polícia federal não feche o site depois dessa frase não fica impune. A garota tem uma barra de energia própria, que se gasta conforme ela se machuca entrando em contato com inimigos, caindo em espinhos ou em buracos. Embora a personagem não desapareça da tela em nenhum momento (o que aliás, se ocorresse, tornaria o jogo impossível de ser jogado), cada vez que ela levar um novo dano após ter se esgotado sua barra de energia, o jogador perderá uma quantia em dinheiro.
Como o dinheiro no jogo é usado tanto para comprar itens que melhoram a defesa de Hamel, quanto para recuperar sua energia, ou até mesmo para a compra de fantasias especiais, perder a grana torna as coisas um pouco mais dificeis; embora o jogo seja facilmente completado sem a necessidade dessas regalias.

A canção da Despedida

Por ser um típico “jogo de SNES”, não espere de Hamelin no Violin Hiki, um jogo de plataforma frenético, como são os de Mega Drive por exemplo. Como a maior parte dos jogos de plataforma do console da Nintendo, a jogabilidade aqui é mais cadenciada, priorizando a calma e a precisão na hora de se resolver os (simples) puzzles e de se acertar os saltos em devidos momentos, comparado aos famosos jogos da Disney da Capcom para o console.
Talvez, a única parte ruim do jogo, seja sua duração. Apesar de seguir (com alguns saltos loongos) a história do mangá, o jogo acaba antes do desfecho da obra (que na época de seu lançamento, de fato, ainda não tinha se encerrado), com um boss meio anti-climático, e um encerramento abrupto daqueles que deixam o jogador com aquela cara de “hã?…já acabou?…mesmo?!”
No entanto, a aventura é muito divertida, com uma jogabilidade amigável, uma belíssima trilha sonora, um visual colorido e vibrante e uma historinha boba mas engraçadinha de ser acompanhada através de suas ceninhas animadas.

Não é nenhum divisor de águas, nem um daqueles jogos que “abusam do poder do console” por terem vindo no final de sua vida. Mas nada disso impede o jogo de ser aproveitado, ainda mais hoje em dia, em que o jogo já tem um patch para o inglês.
See ya!

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7 respostas para Pérolas que não atravessaram o oceano 12: Hamelin no Violin Hiki

  1. Gamer Caduco disse:

    Curioso, eu já tinha ouvido falar desse mangá antes, só não me lembro quando e nem me recordava do nome. Lembrei de ler a sinopse aqui.
    O jogo é bem bonito mesmo, visualmente por alguma razão me lembrou jogos com backtracking, tipo Wonder Boy ou Shantae, só que acredito quando vc diz que ele não é nada frenético (SNES)… rs!
    Vou colocar no meu backlog infinito aqui! hahahaha
    Muito bom o post!

  2. Gostei bastante do jogo, apesar de não conseguir terminá-lo (por ruindade mesmo). Vou conferir o anime.

    • Tiago Steel disse:

      Olha, cara…o jogo é bem tranquilo, se tu se esforçar um pouquinho consegue terminar numa boa. Os chefes são bem fáceis e as fases bem pouco desafiantes. É questão de ter um pouco de paciência, vai com fé que tu consegue.

  3. Cosmão disse:

    Quando falei desse jogo no meu blog eu não havia pesquisado sobre a história do mangá e muito menos sabia sobre esse lado pervertido do personagem principal. Isso muda toda a dinâmica de entendimento do jogo, nunca mais verei Hamelin no Violin da mesma forma hahahaha!

    • Tiago Steel disse:

      Pois é Cosmão, hahahaha. Quando conheci esse game, lá nos primórdios dos emuladores (nem tradução tinha ainda), eu não imaginava que a história por detrás fosse tão…bizarra também. Por sorte o jogo é muito bom e vale a pena MESMO jogá-lo. Um abraço!

  4. Doc Cocamonga disse:

    Vou buscar o mangá pra ler, me pareceu uma fusão de Bastard!! com Slayers. O jogo eu conhecia mas nunca prestei muita atenção embora tivesse gráficos que tentassem trazer a ambientação dos animes. Cara, é possível fazer parceria com o teu blog? Conheci a página a alguns meses mas pensei que ela tivesse descontinuado. Assim eu incluiria o teu link no feed de parceria.

    • Tiago Steel disse:

      Opa, fala Doc. Então, eu li o mangá até um certo ponto, mas comecei a achar meio monótono e dropei. É engraçadinho, mas cansativo, mas vale conferir se tiver curiosidade!
      E quanto ao blog, tá meio zumbi mesmo, meio morto, meio vivo…quando da na telha atualizo, mas vou adicionar o link do seu blog aqui!

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